quinta-feira, setembro 15, 2005

Hospital

Fui recentemente a um dos hospitais da nossa capital e deixem-me dizer-vos que aquilo não é tão mau como se diz por aí... é muito pior!
Devo ter chegado lá por volta das cinco da tarde e quando voltei a casa, lembro-me de olhar para o relógio da sala e ver o ponteiro grande nas nove e o mais curto perto das duas (pa quem não percebeu eram quase duas da matina).
O que me afligiu não foi o tempo que lá passei, que por muito que tenha sido, foi um mal necessário, mas antes a qualidade desse tempo.
Primeiro que tudo, aquilo é feio pa caraças! Cinzento, triste, sombrio, desconfortável. Tenho quase a certeza que os inúmeros santinhos que "emprestam" o nome a estas fantásticas instituições não gostariam de o ver empregue num sítio daqueles, mas é essa a vontade divina... ou não.
Teologismos à parte, partindo de uma perspectiva algo minimalista da coisa, aquilo até tem a sua certa piada...
É giro ler o aviso afixado em quase todas as paredes, que nos informa que os aparelhos de comunicação móvel interferem nos sistemas de monitorização dos sinais vitais dos doentes bem como nos pacemakers, pelo que os devemos desligar. Nessa altura, senti-me mal. Primeiro porque o meu estava ligado; depois porque o de toda a gente estava ligado; finalmente porque os médicos passeavam alegremente enviando e recebendo sms's enquanto à sua volta pessoas desfalecem, gemem, vegetam. Eu não percebo muito do assunto, mas parece-me a mim, que se por alguma razão existem telemóveis, é exactamente por causa destas situações, em que se contactam familiares, amigos, etc. e que alguém havia de arranjar soluções para eu poder telefonar ao meu pai sem parar o coração do senhor que está internado no "Balcão Homens", mas isso devo ser só eu...
À medida que as horas passam e acabam as conversas de circunstância, a fadiga começa a instalar-se e, no entanto, não há notícias. Vasculho nos recantos da minha memória a razão pela qual estamos ali há tanto tempo sem saber nada de novo... encontro - estamos à espera do neurologista.
O neurologista só entra de serviço às oito, pelo que me resigno à minha condição de impotência, sentando-me numa cadeira da sala de espera. Todos à minha volta parecem incapazes de combater a inércia da situação e lembro-me então que os hospitais são mesmo assim.
Passa um tempinho e a minha avó informa-nos que encontrou uma pulga a passear nas pernas - finalmente um momento excitante...
É por esta altura que me levanto, tentando não pensar na quantidade de parasitas que se tranferiram das cadeiras para mim e vou passear lá fora. Ambulâncias, enfermeiros, médicos, pacientes, fumadores, uma ligeira brisa... volto lá para dentro.
Ao regressar à sala de espera encontro uma senhora sentada na minha cadeira que tagarela alegremente com as mulheres da minha família. Inteiro-me da conversa e descubro que ela está na mesma situação que nós - à espera do neurologista - com a ligeira agravante que está ali desde as 6h 30m da manhã.
(.........)
Já passa das nove e já há neurologista, mas aparentemente não está a fazer nada. A minha tia tenta falar com alguém que lhe dê os updates da situação clínica do meu avô mas foram todos jantar. Também gostaria de jantar, mas volto a sentar-me.
Por esta altura já a senhora sabe que o marido vai ter alta e está tudo bem. Vou lá fora.
É de noite, e mediante o cenário desolador que se encontra perante mim, até os dois chungas que escarram para o chão me parecem amigáveis. Isto, claro está, por causa da personagem que tenho perante mim. De boné vermelho, todo porco, com cara de drogado, um homem examina minuciosamente as cerca de quarenta beatas que estão junto à parede - alegria - encontrou uma ainda acesa. Enfia-a na boca e encaminha-se na direcção oposta à que percorreu para chegar às beatas, sempre cambaleando e sem nunca largar os colhões. Atravessa a rua e caminha no diminuto corredor que separa os táxis da parede que está à minha frente, examinando com olho de detective cada centímetro de chão que pisa, à procura sabe-se lá do quê. Encontra algo que guarda no bolso direito e desaparece na escuridão.
De novo na sala de espera, depois de duas horas passadas com o meu pai e tio em busca de uma gaja boa que nos levasse para longe daquele mundo onde habitam só e unicamente gordas, recebemos uma fantástica notícia. O marido da senhora, aquele que está há três horas à espera que o médico lhe assine o papel da alta, foi transferindo para Santa Marta. A mulher desta num pranto e o gordo estúpido que acabou de lhe dar a boa nova acerca-se dela, desaparecendo ambos depois de atravessarem a porta automática.
Estou tão carcacomido que já nem a bacana do INEM que conseguiria amamentar durante meses a fio uma pequena aldeia do Cambodja me alegra. Só quero que o meu avô fique bem, que aquele dia acabe, que passe a dor que me aflige o pescoço.
(.........)
Eventualmente o dia seguinte chegou. Ao acordar tenho pequenos flashbacks em que seguimos no encalce da ambulância que leva o meu avô de regresso a casa. Tudo não passou de um susto.
(.........)
Ao escrever este texto, já sei que meu avô está de volta ao mesmo hospital em que passei o dia anteontem. Os médicos disseram-nos para nos preparar-mos para o pior. Os mesmos médicos que alegaram que aquilo era só uma "falta de fluídos". Os mesmos que não perceberam que aquilo era sério. Os que o mandaram para casa para que no dia seguinte regressasse.
O meu avô teve uma trombose, agora está deitado numa cama de hospital, não se mexe, nem sequer consegue falar.
São assim os hospitais...

3 comentários:

Inex disse...

Simplesmente vergonhoso... As melhoras!

hcg disse...

A última vez que tive tanto tempo num hospital acabei por levar um livro. Acabei-o e, diga-se de passagem, era um calhamaço e eu não tenho super poderes de leitura. Nunca mais peguei nesse livro desde então...

PS: Força aí para ti e para os teus e remember: a esperança nunca morreu num hospital nem nunca o fará.

JP disse...

Ia ofender-te mas o último parágrafo não mo permite. Por cá espero sinceramente (e tu sabes (ou devias saber) que quando eu digo que estou a ser sincero é porque estou MESMO a ser sincero(se não sabes é porque algo setá mal entre nós)) que a situação melhore. Um abraço amigo, daqueles que reconfortam nestes momentos mais chatos.