quinta-feira, março 03, 2005

Uma aventura na cantina da faculdade

Chovia torrencialmente quando o jovem Aníbal tomou uma decisão drástica da qual se iria arrepender para o resto da vida. Com as finanças em baixo e o almoço por comer, Aníbal optou pela cantina da faculdade. Tinha ouvido rumores de que aquele misterioso antro de podridão deveria ser evitado a todo o custo mas apesar disso o preço mágico da ementa teve um efeito avassalador na sua mente. "É só um euro e noventa", pensava ele enquanto descia a rua da faculdade.
Ao chegar à entrada de vidro, Aníbal pôde ver o que parecia ser um menu. Numa pequena folha de papél colada na porta e escrito a computador encontravam-se várias opções para o almoço. Após uma breve leitura, o jovem aluno sentiu-se mais confiante: "Não parece ser assim tão mau". Empurrando a porta de vidro, Aníbal aventurou-se no desconhecido.
Ao lado esquerdo da cantina, protegido por um vidro encontrava-se o que parecia ser uma espécie de recriação estupidificante de um ecossistema lembrando-nos constantemente que o edíficio de residência foi mal construído. Por entre as plantas de plástico, diversas resíduos encontram-se espalhados pela “terra”, como uma metáfora da cantina.
Aníbal aproximou-se da senhora da caixa registradora. Sendo a 12ª segunda mulher empregada para emitir senhas só durante aquela semana, é surpreendente que consiga levar a cabo uma função tão complexa e ainda falar a língua portuguesa (apesar de ter uma certa dificuldade). A pobre mulher olha para o nosso heroí fixamente, esperando qualquer coisa. Anibal começa a sentir-se incomodado: será que vai ter que pedir realmente a senha; não é bastante óbvio que o que ele deseja é almoçar; afinal, quantas possibilidades existem? Após alguns segundos de um silêncio ensurecedor, Aníbal encontra a solução: “Era uma, faz favor!”. A mulher carrega no único botão minimamente útil na caixa e emite a senha. Exibindo um ar triunfante enquanto a recebe, o jovem sente-se capaz de carregar o mundo ás costas. Numa atitude arrojada, Aníbal carrega no botão que emite senhas (as razões nunca chegaram a ser bem compreendidas e ainda hoje essa atitude continua um mistério para toda a gente). Alarmes soam. A mulher começa a gritar histéricamente. Todos olham. O jovem sente que todo o mundo decidiu realmente cair em cima de si.
Após cerca de um quarto de hora de explicações da mulher sobre porque tal acção nunca deveria ter ocorrido (na realidade nem a própria mulher sabia o que estava a dizer), finalmente Aníbal consegue aproximar-se do self-service, pegando num tabuleiro, em duas colheres minimamente secas, e num sacinho com talheres. Passando por dois pratos com mistelas de 20 dias protegidas por plásticos (vá-se lá saber porquê), Aníbal chega à secção das sopas.
Do outro lado do balcão encontrava-se outra mulher. Esta nobre membro da associação portuguesa do bigode vai servindo tijelas de sopa sempre com o polegar enfiado dentro da sopa (talvez para curar alguma ferida no dedo) e com um ar extremamente desgostoso. Retirando uma sopa do tabuleiro, Aníbal nota que esta parece-se muito com água suja aquecida. Sorrindo, afasta essa ídeia disparatada da cabeça e segue para a secção do prato principal.
Desta vez encontram-se duas mulheres do outro lado, ambas extremante peculiares. Aníbal dirige-se à primeira: “Eram os pastéis de bacalhau, faz favor.” A mulher, um tanto ou quanto gorda que nem um elefante grávido de 12 meses responde, enquanto sorri alegremente: “Já não há, mas se esperares um pouquinho vou fazer mais.” Sem deixar o jovem responder, a mulher pega na maior faca de serra que encontra, rodeia o balcão e sai da cantina, virando depois para a casa de banho. Aníbal tenta afastar visões horrendas que lhe surgem na mente e aproxima-se da segunda mulher. Esta fuinha de dentes amarelados constantemente tosse para o lado da forma mais nojenta possível enquanto serve cada prato. “Afinal o que há hoje?”, pergunta o aluno. “Hamburgueres e os pasteis que tã qase a sair. O qéqe vai ser?”. “Hamburgueres”, opta Aníbal sem pensar um segundo. Recebe o seu prato enquanto a mulher habilmente coça o nariz com o braço e dirige-se para as sobremesas.
Cubos tremeluzentes e tijelas de diversas cores parecem convidar toda a gente para um festival radioactivo enquanto que em baixo fruta apodrece. Receando brilhar no escuro caso consuma uma das sobremesas, Aníbal limita-se a pegar num copo e enchê-lo com leite, proveniente de um pacote semi-aberto. Bebericando um pouco, o jovem engasga-se com um pêlo que se encontrava dentro do pacote e, após recompôr-se, enche outro copo na máquina dos sumos. Volta a beber um pouco, mas desta vez de sumo de laranja, notando que essa bebida não passa de água com cinco minímas goticulas de laranja.
Preparando-se para levantar o tabuleiro, o jovem é abordado por um homem vestido de bata. “Senha, faz favor”. Aníbal não pode deixar de mostrar a sua surpresa por existir um emprego em que a pessoa só tem que repetir aquela frase todos os dias. Afinal, até um macaco perneta com o cio era bem capaz de desempenhar essa função sem cobrar nada.
Arranjando um lugar após entregar a sua senha, Aníbal começa a comer. Sobrevivendo à sopa, o aluno ataca o hamburguer com arroz ansiando por qualquer coisa que lhe retire aquele gosto horroroso da boca. Para sua surpresa, o hamburguer só foi cozinhado de um dos lados e o arroz nem isso. A fúria surge no seu rosto avermelhado. Isto não podia continuar assim! Aníbal tinha sido enganado! Levantando-se da mesa, o rapaz agora zangado pede o livro de reclamações à fuinha.
A mulher, genuinamente surpreendida com a exigência, ainda o tenta fazer desistir, sem qulaquer sucesso. Aníbal recebe o livro, volta-se a sentar na sua mesa e escreve a sua reclamação. Depois, começa a ler as anteriores reclamações. Embora os motivos sejam diferentes, Aníbal não pode deixar de notar que nenhum dos alunos queixosos voltou a aparecer na faculdade após o dia da data da reclamação. De facto, inteiras gerações de pessoas nunca mais vistas tinham sido queixosos da cantina da faculdade.
Intrigado, Aníbal devolve o livro à fuinha e pergunta o que é feito de toda essa gente. A mulher ri-se e chama-o para o outro lado do balcão, afirmando que é aí que se encontra a resposta. Aníbal, qual mosca atraída para estrume, segue a mulher para outa divisão.
Mal entra, Aníbal começa a gritar horrorizado! (o míudo é estupido, o que é que se à de fazer) Afiando duas facas um pequenino homem olha inerte para o pobre aluno. A fuinha imediatamente prende o rapaz e fala para o homem: “Seô Batalheiro, aqui tá o almoço damanhã. Faça 500 gramas fininhas sem gordura pa ver se dá pa toda a gente”. Agora sim , Aníbal tinha razões para gritar, apesar de por pouco tempo. Lá fora trovões bramiam no céu...
No dia seguinte, outro aluno da faculdade, armado com a sua malinha, ousou enfrentar a cantina: “Ai, meu Deus, que coisa mais hoooorosa!”. A próxima vítima tinha sido escolhida.

FIM

P.S.- Qualquer semelhança com a realidade é um puro acaso do destino. Todas as personagens são fícticias. Por favor, não me processem....